quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

AS AMORAS

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.


Eugénio de Andrade
Centenário de nascimento

A BOCA

A boca,

onde o fogo
de um verão
muito antigo

cintila,

a boca espera
(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)

espera o ardor
do vento
para ser ave,

e cantar.

❤️ ❤️

Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -

se a luz é tanta,
como se pode morrer?


Eugénio de Andrade
Centenário de nascimento 

MULHERES DE PRETO

Há muito que são velhas, vestidas
de preto até à alma.

Contra o muro
defendem-se do sol de pedra;
ao lume
furtam-se ao frio do mundo.

Ainda têm nome? Ninguém
pergunta, ninguém responde.

A língua, pedra também.


Eugénio de Andrade
Centenário de nascimento 

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

À ESPERA DE UM MANTO BRANCO

Em cada Inverno, há em mim o enorme desejo de ver a Serra da Estrela coberta no seu manto branco, tão deslumbrante quanto gelado, e me deixa sempre muda de  espanto!
Esta paisagem faz parte do meu mundo de infância, sem precisar de subir a esta altitude, porque os dias de neve intensa cobriam a serrania à volta da aldeia, os caminhos ficavam difíceis de percorrer, e não era um tempo fácil para quem precisava de sair fosse em trabalho, resolver assuntos inadiáveis ou até alimentar o gado  que estava mais longe do povoado. 
Pensar em ir ver a neve, na Estrela, não era nesse tempo um passeio exequível e nem sequer me lembro de o ter desejado. No Verão, sim! Queria ver a Lagoa Comprida, a Cabeça do Velho e da Velha… e ver o "mundo" que lá do cimo da serra se lobrigava! 
Sendo a neve o seu "ex-libris", ainda assim, a Serra da Estrela oferece hoje condições privilegiadas em qualquer estação do ano e, felizmente, já não é só pela paisagem branca que atrai muita gente, mas pelo conjunto da sua beleza é ímpar, e mais seria se os incêndios não a fustigassem impiedosamente todos os anos.
O aquecimento global veio mudar muita coisa e a Estrela não é imune a esse flagelo, em que acontece haver Invernos sem flocos neve ou são tão escassos que, se o frio ajudar, apenas se vê a neve artificial a dar um “ar de graça” nas estâncias de esqui, junto da Torre. 
No tempo dos grandes nevões, em que a neve se acumulava em tal quantidade e altura, no Verão ainda se vislumbravam entre as rochas graníticas, recantos brancos, abrigados do Sol, onde ela não derretia!

Em 23 de Abril de 2018, quando já parecia um pouco "fora de tempo", eis que um manto alvo se estende por toda a Serra da Estrela, deixando-a deslumbrante no seu traje mais desejado. 
Tive assim o privilégio de logo a 25, em dia limpo, soalheiro, de temperatura muito amena, sentir o fascínio de sempre por este lugar e pela fria neve, com uma altura considerável, e que eu não via há muito tempo! 
O turismo anseia pela neve que faz as delícias de miúdos e graúdos, alimenta negócios e, muito importante, dá sustentabilidade à terra com a água que irá correr e alimentar os seus s lençóis freáticos. Todos somos beneficiários dela!   
Fiquemos com estas recordações de 2018, enquanto esperamos pela a neve que nos irá de novo envolver e extasiar com a sua brancura, enquanto deslizamos sobre ela sem pensar que pode ser a última vez!

domingo, 1 de janeiro de 2023

UM ANO QUE DEVIA SER NOVO...

Já estamos a viver um novo ano - que devia mesmo ser - se não estivesses os seus dias marcados num mundo de incertezas gerado pela Covid-19, mais outros vírus que se vai juntando e, o pior de tudo, a guerra! 

É certo que, infelizmente, a guerra nunca deixou de estar presente em muitos países do mundo, mas, na verdade, e ainda que neste mundo global nada seja longe... ter este flagelo dentro da Europa, parece difícil de acreditar, não se sabendo como nem quando irá terminar, com os dias sucessivos de bombardeamentos, a destruição de bens, mas principalmente a perda de vidas humanas que deixam os povos martirizados, à mercê de todos os perigos e sem futuro, não indiciam nada de bom neste 2023.

Não é admissível que, neste século XXI, de tanta tecnologia e progresso que se quer ao serviço do bem de toda a humanidade, esta seja usada pelos homens de coração cheio de ódio. com sede de poder e vingança para destruir povos, cercear-lhes todos os direitos fundamentais, deixar sem futuro jovens e crianças cheios de sonhos, merecedores de um futuro risonho, e os mais velhos serem despojados de tudo o que conseguiram conquistar em anos de trabalho, deixando-os na miséria e penúria a viverem os poucos ou muitos dias de vida... 

Mas que vida é essa, hoje, se apenas sobra destruição, morte e rios incontáveis de lágrimas de dor e perda, rastilhos para sentimentos de raiva, ódio e vingança difíceis de controlar e vão permanecer por longos anos.

Entre nós, há gerações que têm ainda bem presente todo o drama da segunda guerra mundial, em mim, e tenho a certeza em todos os que viveram uma guerra fratricida que arrasou cidades, vilas e aldeias, deixou um rasto de destruição e morte, gerou comboios e pontes áreas intermináveis de gente a fugir da guerra para salvar a vida, o único bem que lhe restava, vem despertar todos os medos e angústias vividos, sentido o futuro e avida dos nossos filhos e netos ameaçado.

É penoso pensar que depois de uma pandemia que deixou o mundo em suspenso, matou sem dó nem piedade e a todos nos fragilizou, apareça o flagelo da guerra com todo o seu horror.

Resta-nos continuar a ter esperança no coração e demos graças por mais um ANO onde nos foi possível chegar. E, nos dias que agora se seguem, façamos por percorrer caminhos que em todas as circunstâncias sejam promotores da PAZ. Porque a PAZ é sempre possível! 

A quantos por aqui passarem Bom de 2023!