Ficou vestido de negro o paraíso verde de que eu desfrutava nas Barrocas do Muro, consumido pelo inferno de chamas do incêndio que lavrou em Sobral de S. Miguel, no passado dia 29 de Julho.
Assim se destruiu, mais uma vez, um património que levou anos a crescer, e num ápice ficou em cinzas a enegrecer o chão que as próximas chuvas se encarregarão de levar encosta abaixo, e que irá conspurcar as águas dos ribeiros.
A partir dos anos 70, os incêndios começaram a ser mais frequentes e devastadores, deixando muita gente sem vontade de continuar a sacrificar a vida, ano após ano, para depois ficar sem nada. E foi inevitável o abandono da terra e da floresta que sem estratégias definidas não cobre sequer os custos com limpeza e conservação dos terrenos.
Depois de minha avó, minha mãe e meu pai, depois só o meu pai, dentro das suas limitações de idade e saúde foi tomando conta deste lugar, mas faleceu há 25 anos. De então para cá é a segunda vez que este paraíso arde praticamente por completo.
O palheiro acima ficou bastante destruído no incêndio anterior - creio que em 2005 - mas o de baixo resistiu ao fogo nessa altura e também desta vez, o que se pode considerar um verdadeiro milagre por o vento não ter espalhado fagulhas que pegassem nos barrotes e destruindo esta memória que me é tão cara.
A devastação que se vê nas imagens deixa-me uma profunda mágoa no coração por saber que nada posso fazer - não tenho condições económicas para tal - mas ainda que tivesse, de que adianta limpar se o resto da floresta continuar igual?
Com alguma sorte serão anunciados projectos de reflorestação para que o verde volte a emoldurar a paisagem, mas que podem ficar entalados na burocracia, nunca vir a acontecer e daqui a 10 anos, infelizmente, tudo voltará a desaparecer.
A terra, resiliente, vai seguir o seu ciclo e, em breve, os fetos, silvas, giestas e outra vegetação vão tomar conta dela, pela nossa incapacidade de a manter a limpa como devia ser.
A chuva, se vier forte, causará barrancos - como aqui se chama às partes de paredes que caem e sustentam a terra dos chães - situação que se agrava nos incêndios por consumirem toda a protecção vegetal destas paredes, pelo que serão mais danos difíceis de suportar.
Os pinheiros, ao contrário dos eucaliptos não rebentam, mas ficam sempre sementes que germinarão e darão novos pinheirinhos dentro de alguns anos.
O medronheiro, também conhecido por nós como ervedeiro, é uma árvore autóctone, linda, muito resistente, e quer se cortem ou não os ramos queimados é praticamente certo que volta a rebentar.
Resta-me ter esperança que o Inverno seja manso nas intempéries, mas traga água suficiente para alimentar as nascentes, o Sol aqueça a terra e, lentamente, os frondosos castanheiros, cerejeiras, oliveiras e videiras voltem a rebentar.
É certo que nada será como antes e, a cada incêndio, alguma vegetação muda dando lugar a outra muito mais invasora e nefasta para a terra, as águas, os animais e os seres humanos.
Não diabolizo os eucaliptos, mas não sou defensora da sua plantação em grande escala, como está a acontecer por todo o lado e aqui não é excepção.
Preocupa-me que os eucaliptos venham a ser os próximos invasores destas serras com a disseminação das suas sementes, dando lugar a uma mata completamente diferente e, sem controlo, ainda mais prejudicial a todo o meio-ambiente do que todo o pinhal desordenado que temos agora.
Era crucial que as instâncias que gerem a floresta olhassem para este território como uma reserva de biodiversidade, dando prioridade absoluta à ordenação e replantação florestal e privilegiando os castanheiros, nogueiras, cerejeiras, carvalhos, sobreiros, medronheiros e pinheiros.
Enquanto sonho com a remota possibilidade de alguém nos ajudar a fazer renascer este paraíso de verdes caminhos, fica a imagem que mesmo neste cenário de desolação me lava as lágrimas do olhar: a magnífica paisagem que daqui se desfruta sob um céu azul que é uma bênção.
MM
Agosto 2020