Assim quero pensar! O David voou para o infinito ao encontro de uma liberdade onde o tempo não conta, ânsia de um espírito livre, inquieto, solitário e sofredor como era o seu, e que hoje fez ecoar o triste grito: o amigo David (Ginjas) deixou-nos!
Mas como? Não, não... Isso não é possível! Mas é! Partiu naquela viagem sem mala nem bilhete de regresso e deixa-me o coração apertado pela perda, a solidão e a ausência definitiva. A Ponte, o Barreiro e uma aldeia inteira estão de luto!
“Raisparta”, David, ainda não eram horas! Porque não te meteste no meio das mantas de fitas, tapaste muito bem a cabeça e recusaste tal viagem como fazias quando eras pequeno e te queríamos levar para o Vale das Vacas?
Afinal era o que fazias, e mesmo à custa de promessas de “cavalossa” às minhas costas ou da Lucinda eras difícil de convencer, pois reclamavas que tinhas sono, que a ladeira do Caratão era ruim de subir, que davas muitas “topadelas” nas pedras, que era muito longe… enfim… Agora é que podias ter ensaiado a manha da infância para fintar a morte e mandá-la para outros vales!
Ficamos mais pobres sem a tua presença, mas, a tua arte de autodidacta: luz dos teus olhos que brilhavam intensamente a cada nova peça criada, e o teu santuário: o "Ferrolho" completava e dava sentido à tua vida quando se enchia de amigos e transformava a tua figura mítica de cigarro na mão e boina de revolucionário num verdadeiro companheiro de amizade, fraternidade e partilha.
Recordar-te-ei sempre como um poeta que sem palavras escreveu memórias, artesão que arquitectou casas e pintou sonhos. Guardião da ribeira que enchias de patos, sem esquecer a geringonça que também colocavas na água, e que para se manter em funcionamento te fazia andar a saltitar por entre as pedras escorregadias, mais o baloiço recentemente engendrado, tudo fruto da tua imaginação que deliciava miúdos e graúdos. É, por isso, imperdoável que te tenhas ido embora deixando-nos à míngua das tuas ideias a fervilhar e sem mais tempo de as concretizar.
Guardarei no mais fundo do meu coração a amizade que criamos desde meninos e o tempo não levou. Pessoas como tu nunca morrem, e a essência de ti: alma, espírito (o que se quiser chamar) pairarão eternamente no Sobral, de forma especial na Ponte, no Barreiro, nas serras à nossa volta, mas também em muitos outros lugares onde tiveram o privilégio de te conhecer e de contigo conviver.
Há dias em que o alvorecer é uma miragem e o dia nem sequer começa… Mas tu devias estar no nosso encontro agendado para final de Agosto, pois faltava cumprir o pedido que te tinha feito para gravares de alguma forma - na casa que vos viu nascer - uma homenagem aos teus pais e irmãos que ali perpetuasse as suas memórias. Agora que se fez noite quem o fará?
A Ti Justina, o Ti Pedro, a Helena, o Jerónimo e o Dinis vão abraça-te no reencontro, mas sei que vais ouvir “das boas” por não teres cumprido o prometido. E é bem feito!
Que à tua chegada o céu se encha de alegria e festa, e a tua alma, liberta agora de todos os agrilhoados da vida, voe finalmente livre e em paz. Até um dia, meu amigo David.💗