sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

CAMINHOS DE INVERNO, SEM NEVE, APENAS SAUDADE


É assim, na verdade, que vejo e sinto estes caminhos percorridos inesperadamente onde a saudade está presente e neste lugar me abraça, e paradoxalmente a tristeza por maior que seja, se dilui no profundo silêncio dos caminhos da serra e me regenera a alma. 
Não é habitual andar por aqui a subir e descer escadinhas, ou nos caminhos enlameados outrora tão "batidos" e tantas vezes a apanhar estas ervinhas a que chamo "cocilhos" para fazer o "caldo", uma das brincadeiras de menina.
Na verdade, nem sequer sei se por esta época, aqui terei estado, já que o Inverno não era o tempo mais favorável a essa permanência. Se aconteceu foi seguramente há mais de 60 anos, mas sei das muitas dificuldades para aqui chegar em qualquer estação, acrescidas quando um imenso manto de neve tudo cobria 
Minha avó tinha aqui as cabras, e como são animais sempre prontinhos a comer, quando a "inverna" se anunciava de neve por alguns dias - mesmo sem serviço meteorologia os antigos sabiam dessas coisas - minha avó chegava a levá-las para o povo, para as salvaguardar as cabritas e também a ela porque o frio, o vento a neve a e chuva eram elementos de perigo e a respeitar. 
O caminho a percorrer que vinha do Sobral aos Torgais em subida acentuadamente ingreme, aligeirava-se no cimo até a um souto de castanheiros onde ficava mais assente e brando até começar a descer para o Penedão. No regresso era o inverso e não menos complicado ainda mais com carregos maiores à cabeça como era normal! 
Hoje, é só "mordomias". Chegamos de carro, temos calçado, impermeáveis e agasalhos adequados ao tempo de chuva ou de neve. Porém, não temos neve! 
Valeu desta vez a muita água que da serra descia, encharcava as terras, formava pequenas cascatas que corriam paredes abaixo e desaguavam caminhos fora. Uma recompensa para as terras sequiosas e ressequidas. 
A beleza de tanta água a correr em todos os cantinhos fez-me também recordar o quanto chapinhava em todas as poças e chegava a casa toda molhada e cheia de lama, com direito a ralhetes, às vezes castigos e depois a tosse brônquica que "gostava" dessas minhas infantis brincadeiras. 
Esta paisagem, de beleza agreste, mas única, é uma janela aberta todos os dias do ano para prender o olhar, nunca me canso de admirar e me leva a um passado longínquo com tanto de bom como de difícil, mas me fez aprender a sonhar... para lá da serra!
Se estas pedras da pequenina casa - que chamamos palheiro - e as dos caminhos falassem muito teriam para me contar, e eu bem gostaria de saber, tanta coisa que me esqueci de perguntar a quem o poderia fazer. Ainda não sei porque não fui mais longe nas perguntas. Mas sei que estas pedras me abrigaram no passado, me enchem de nostalgia no presente e, ainda acredito, que têm futuro. Nascemos, vivemos, morremos, mas as pedras são eternas! 

Dou-me conta que não sei quem construiu o palheiro. Se já vinha dos meus dos meus bisavós ou se teria sido construído pelo meu avô antes de rumar a terras de Espanha. Estas paredes "combaros" que fazem parte da arquitectura típica do local, também serviam de pouso e alívio dos carregos de quem aqui passava, teriam sido já feitas por meu a pai ou tudo estaria desde ao início? Meu pai, já quase nos anos 80 plantou a videira que faz latada e ainda resiste. Também plantou um pessegueiro neste primeiro patamar, mas acabou por secar num ano de incêndio que andou por cá a "lamber" paredes e até portas!
Outrora tudo limpo, coisa que hoje é impossível fazer, mostra o caminho ladeado de giestas que, não tarda, deixa a paisagem amarela a contrastar com o verde. Até são bonitas as giestas floridas, só é pena serem uma praga que toma conta de tudo e por mais que se arranquem nada as trava. Que ao menos sejam úteis às abelhas! 
Mas, neste dia de Janeiro, acalentou-me a alma este verde da natureza agora lavada, brilhando a cada "estiada" e o Sol acariciava as folhas e flores dos medronheiros, carquejas, e suga-mel que também já despontam adivinhando uma Primavera antecipada. 
Os "pucarinhos", com o me apetece chamar à flor do medronheiro, a cair em cascata indicam uma boa quantidade de frutos para o Outono se o calor de verão, ou algum incêndio não vier outra vez esturricar tudo! 
O céu abriu em final de tarde e a neve, por agora, não pintou a serra das Três Beiras, nem a majestosa Gardunha que espreita ao fundo, e é claro que não desceu ao povoado. O Sol venceu a demanda, mas ainda não perdi a esperança de a ver a neve chegar... talvez um dia... quem sabe, pode calhar!
Nos caminhos da vida, nestas voltas e voltas da serra, em visita inesperada ao meu lugar de eleição, que também era de meu pai, deixou-me aqui parada, apreensiva e a pensar por que razão acontecem assim coisas que não estavam previstas de forma nenhuma. 
Ficam as imagens, as memórias, pedaços da minha história e a homenagem ao meu pai neste mês do seu centenário de nascimento.  Acredito que um pouco de nós aqui ficará para sempre! 

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